sábado, 5 de outubro de 2013

--- Sobre os mitos fundadores dos Estados Unidos.

A titulo de começo para refletir a cerca dos mitos fundadores dos Estados Unidos da America, pautar-me-ei nos textos de Leandro Karnal, Jack Greene e Bernard Bailyn, pensando nas possíveis ligações entre os mitos fundadores e o processo de independência dos EUA e, por conseguinte, com o processo de formação de identidade nacional. Nesses termos, deveremos fazer uma varredura sobre o desenrolar da independência dessas colônias, no intuito de desconstruir exatamente o mito fundador de que os EUA foram predestinados ao sucesso de sua união, mostrando como se deu realmente esse processo e quais problemas imbicava. Assim, devemos expor de forma breve o contexto psicossociocultural da Inglaterra e das Treze Colônias.
A principio, a negligencia praticada pela metrópole inglesa beneficiou (ainda que não intencionalmente) as treze colônias, tendo em vista que a Inglaterra estava enfrentando vários conflitos internos que tinham maior prioridade, não intervindo muito na dinâmica colonial. Esse quadro se reverte com a transformação do governo inglês em monarquia parlamentar, que confere à Inglaterra maior estabilidade política favorecendo a expansão e o controle do império colonial. Juntando com o aumento da produção provocada pela revolução industrial, que proporciona um mercado internacional maior, sobe-se o arrecadamento de fundos do governo. Com o aumento da produção, faz-se necessário uma expansão do mercado, tornando assim as colônias da America importantes para se alimentar esse processo industrial inglês, já que esta era base de extração de matéria prima e consumo. Ou seja, após a resolução de alguns conflitos internos mais imediatos, a metrópole inglesa tenta exercer domínios sobre as treze colônias novamente, que acostumadas com a chamada “negligencia salutar”, apresentam reações de oposição a essas praticas. Nesse contexto Leandro Karnal em seu texto “A formação da nação” tem a intenção de demonstrar os vários fatores de oposição entre as 13 colônias e a coroa Inglesa através desses conflitos, relacionando-os com o processo de independência.
Tais conflitos, segundo Karnal, existiam como forma de resistência dos colonos diante da tentativa da metrópole inglesa em intervir na dinâmica política, econômica e social novamente. Um grupo apenasse opunha, ate então, à esses conflitos contra a metrópole: os latifundiários. Esses por sua vez, também tiveram seus interesses econômicos prejudicados pela interferência da metrópole, principalmente no que diz respeito a taxas de exportação e importação, assim como o aumento de impostos em geral. Logo, se uniram aos demais colonos em prol de um objetivo comum, que era o rompimento definitivo das relações coloniais com a Inglaterra (Karnal, 2007).
Essas guerras serviram pra contrapor os interesses dos colonos aos da metrópole, despertando um sentimento comum entre as Treze Colônias. Sendo assim, como se desenvolveu o processo de construção da identidade nacional e o sentido de lealdade entre os cidadãos que não tem uma  conseqüência premeditada de um movimento político sem planejamento? Quais os problemas sofridos diante da construção de um sentimento comum durante esse período revolucionário? Para tal, o texto de Jack Greene “Identidades dos estados e identidade nacional à época da revolução americana” no auxiliará bastante.  Assim, o autor nos coloca a importância de primeiro compreender a natureza das lealdades e identidades de organização coletiva presente nas diversas unidades políticas que se uniram para formar a nação.
Ao contrario do que muitos estudiosos afirmam, o sentimento de identidade nacional não estava impregnado pelo anseio do surgimento de unidade, impulsionado pela formação de um estado nacional americano; eles queriam mesmo era se livrar do domínio inglês; esse era o objetivo comum. Como justificativa, Greene afirma que esse sentimento é inerente e próprio da colonização inglesa, tendo em vista que, já no período Elisabetano (no final), era muito nítido e bem articulado o sentimento de identidade nacional ingles, onde a superioridade marítima e comercial da nação inglesa se fazia um dos principais elementos significativos dessa identidade. Alem disso o sistema inglês trazia a tradição da subordinação das leis do monarca à júris consensuais e parlamentos. Tudo isso se passava ao mesmo tempo em que começavam a se formar as primeiras colônias inglesas na America. Sendo assim, os colonos vindos para a America traziam consigo vínculos fortes com a cultura inglesa e com o sentimento de identidade nacional implícita nela. É nesse sentindo que Greene aponta os constantes conflitos entre os colonos e a coroa como fator importante nesse processo de formação da identidade nacional, porque ele parte primeiramente nas raízes dessa união em prol de um inimigo comum.
As objeções impostas pela metrópole às colônias – como cobrança de impostos e a intromissão do governo em assuntos internos sem o consentimento dos colonos, alem do modo agressivo como eram impostos - mostra a importância da manutenção de uma identidade comum; objetivando, portanto, um reconhecimento também por parte da Inglaterra. Greene ressalta um ponto importante quando coloca que, embora a identidade desses colonos fosse impregnada por características britânicas (como o protestantismo, nascidos livres) sempre foram mediadas por outro conjunto de identidades coloniais. Tudo isso em detrimento do espaço físico, manifestada através de uma forma especifica de organização socioeconômica e cultural. Jack Greene diz:
“Se os colonos possuíam uma identidade britânica em comum, essa identidade existia, portanto, em simbiose com outra identidade que tinha uma base local e social, explicações e justificações históricas, que era transmitida culturalmente de uma geração para a seguinte e era considerada consagrada.” (P. 102)[1]

A Simbiose das duas identidades, ainda que mantivesse vínculos fortes com a cultura inglesa, uma nova cultura acabara por emergir também. Junta-se  a cultura inglesa com a cultura regional, que ao tentarem ser expressos no novo território acaba por se resignificar, ainda que mantenha alguns valores ligados à esses sentimentos pré-existentes em decorrência de suas experiências vividas na Inglaterra. Ou seja, os colonos acabam criando identidades provinciais bem desenvolvidas, ainda que cada colônia tivesse suas particularidades com as quais se sentiam bem e se identificavam, dedicando orgulho e respeito à uma tradição. Outro ponto importante destacado por Greene foi que a tentativa de controle da Inglaterra sobre as colônias acaba por fazer reforçar essa identidade provincial. Assim, é exatamente essa identidade provincial que fazia-se por representar a principal forma de consciência coletiva , que segundo Greene, é o primeiro passo par ao sentimento de nação,m que proporcionou esse sentimento comum.
 “A revolução americana foi, ate um nível significativo, uma decorrência direta da resistência colonial àquelas medidas e deveria ser entendida como um movimento dos habitantes britânicos das colônias para garantir o reconhecimento de sua identidade britanica pela metrópole” (p.102)[2].
Esse processo culminou o aparecimento do chamado Congresso Continental, onde se discutiam idéias separatistas, que circulam em grande quantidade (devido ao advento da imprensa) movimentadas pelos escritos de Thomas Paine, Benjamin Franklin e John Locke (dentre outros), que participam da construção de ideias a cerca do movimento separatista. Bernard Bailyn em seu texto “As origens ideológicas da Revolução Americana” discute sobre a importância desses pensadores no processo de “união” e construção de uma constituição norte americana. Trata, portanto, sobre como desenvolveram as ideologias presentes no processo de independência. As necessidades que os colonos enfrentavam frente ao movimento de resistência da Inglaterra, promoveram a circulação de idéias que pudessem assegurar um estado livre, com poderes equilibrados e distribuídos. Em seguida, faz-se necessário também a discussão dos colonos em torno da maneira como se aplicará de forma efetiva esses ideais e suas implicações. Por isso se cria o Congresso Continental.
A grande questão é: como promover a união de colônias que possuíam objetivos e interesses completamente diferentes? Bernard Bailyn em “As origens da Revolução Americana” nos fala sobre a importância da constituição norte americana como o clímax das ideologias revolucionarias; sendo assim analisa o desenvolver dessas ideologias presentes no processo de independência, ainda que sejam complexas e difíceis de serem compreendidas. Esse desenvolvimento se da a partir de três processo, segundo este autor. O primeiro seria a necessidade dos colonos de ir frente ao movimento de resistência da Inglaterra, formulando idéias que assegurassem um estado livre, onde o poder seria distribuído de modo equilibrado. O segundo ponto seria a necessidade de da discussão entre os colonos para decidir o modo de aplicação efetiva dessas idéias e suas implicações. Dessa forma, pensam em direitos individuais, no significado atuante da soberania popular e como formariam um equilíbrio entre os interesses e necessidades de todas as colônias. O terceiro e ultimo, seria o próprio carta de declaração de independência. Bill off Rights.
 Jack Greene coloca que, foi assim que no congresso continental, Patrick Henry proclamou que as distinções entre as colônias não existiam mais – o que reforça a idéia de unidade (Defesa da união, anulando as distinções entre as colônias). Essa idéia segue via oposta aos postulados de Benjamin Franklin, que considera a grande diversidade de objetivos e ideais, alem de interesses pessoais divergentes, quando não opostos, impediria que houvesse a união das colônias mesmo que fosse para sua própria defesa; tendo em vista o medo de que algumas colônias pudessem se desvincular do movimento, levando em conta o caso de NY que desconfiam dessa união, por exemplo. Já as ideologias de John Adams, advertia para a diversidade das colônias, mas partindo do pressuposto de que todos vinha da mesma origem, a britânica, isso não era portanto um empecilho para a união das mesmas. Logo, Greene critica a idéia de que não havia um sentimento de identidade nacional (assim como propõe Karnal) porque esse sentimento comum, mesmo que não alcance um cunho nacionalista propriamente dito, daria origem ao mesmo. É nesse sentido que Karnal afirma:
                                    “Essa unidade, porem, não era tão fácil de ser sustentada. A                                      unidade contra os ingleses não significou em tempo algum um sentimento                             nacional de fato. A idéia de ser membro de um país deveria ser construída,                                  e essa construção não terminaria com a independência.” [3] (p.92)
Esse contexto de deformidade e de objetivos diferentes é que, segundo Karnal, se põe a baixo o mito fundador, que atribuía o sucesso da união das treze colônias ao advento do destino, da ajuda de deus. Tendo em vista que logo depois da Independência, inúmeros conflitos internos surgiram, e só foram resolvidos posteriormente, marcando de forma incisiva a sociedade da época, como a Guerra de Secessão por exemplo, Revolta do Selo e etc. Sendo assim, a união se deve a um consentimento de interesses e não de uma vontade divina de tornar os Estados Unidos um país, e principalmente, uma potencia.



REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

GREENE, Jack P. Identidade dos estados e identidade nacional à época da Revolução Americana.  In: PAMPLONA, Marco A.; DOYLE, Don H. (Orgs). Nacionalismo no Novo Mundo. Rio de Janeiro: Record, 2008.

BAILYN, Bernard. A literatura da Revolucao. In: As origens ideológicas da Revolução Americana. Bauru, SP: Edusc, 2003.

KARNAL, Leandro. A formação da Nação. In: KARNAL, L. Historia dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 2ª Ed. São Paulo. 

                                



[1] GREENE, Jack P.  Identidade dos estados e identidade nacional à época da Revolução Americana. 
[2] GREENE, Jack P.  Identidade dos estados e identidade nacional à época da Revolução Americana.  P.102
[3] KARNAL, Leandro. A formação da Nação: Historia dos Estados Unidos: das origens ao século XXI, P. 92

Um comentário: