pensar na
construção do termo “latino-americano”. O conceito foi criado em 1836 na
França, no intuito de reforçar e reafirmar o imperialismo francês sobre os
países de língua espanhola, assim como fazer frente ao avanço imperialista dos
Estados Unidos sob os mesmos países. Já o conceito de “Pan-americanismo” surge
tempo depois nos EUA, aproximadamente um mês antes da Conferência Internacional
Americana de 1889, onde houve a substituição do nome para “Conferencia
Pan-Americana”. Na tentativa é claro, de fazer frente à dominação ideológica
dos franceses sobre os povos da America hispânica; sem nos esquecer que depois
da independência dos EUA cresce de modo constante a busca por anexos de novos
territórios ao país, como foi o caso do México. É justamente nesse processo que
os países da então denominada America Latina, se apropriam do termo e atribui-lhe
outro significado, construído de modo a afirmar o que realmente seria essa
identidade comum ao qual querem reconhecimento, tornando mais valido e forte
para se posicionar frente aos Estados Unidos e à França, já que os países
completamente separados ficavam vulneráveis às intervenções exteriores.
O texto de Alain Rouquié “O
Extremo-Ocidente: Introdução à America Latina” nos faz pensar em primeiro plano
o discurso de alteridade e o caráter etnocêntrico adotado para
descrever/adjetivar e mesmo classificar, os países da America central e sul,
dentro de uma dinâmica completamente heterogênea e desconhecedora das reais
singularidades que distingue os países entre si, tendo em vista que tiveram
processos e agentes históricos diferentes, que prescreveram rumos diferentes no
desenvolver social, político, econômico e cultural. No prefacio do texto, ao se
referir aos povos já existentes na America antes das chegadas dos europeus, usa
o termo “civilização” entre aspas. Mas porque? Notamos então, que já de começo
o autor parte de um molde civilizatório segregacionista e etnocêntrico, seguindo
os moldes europeus. Citando Lucien Febvre, usa o termo “laboratório
latino-americano” como um adjetivo para os países que aí estão inseridos
(apenas pela ótica eurocêntrica), demonstrando supremacia ante os mesmos.
O conceito de America Latina trabalhada por Alain Rouquié segue na
dinâmica de um instrumento de delimitação preciso, mas bastante confuso.
Confuso porque gera uma grande problemática: Quais países entram na demarcação
da América Latina? E preciso
porque parte da bifurcação (no grande geral) entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos. Assim eles são classificados a partir do nível de seu
desenvolvimento industrial e econômico, assim como pela idioma, território. Um
fato que realmente somos obrigados a concordar com Rouquié é que um desses
elementos de comunhão com grande maioria desses países seria um fator cultural
voltado para a mestiçagem, não só se tratando de cor, mas também dentro de uma
dinâmica cultural mestiça. O termo “latino América” deligencia de uma maneira
etnocêntrica englobar todos os países que, segundo o autor, se identificam pela
questão da mestiçagem e principalmente pelo subdesenvolvimento industrial
(atrasado) para poder fazer referencias. Tendo em vista que o objetivo do termo
era criar uma consciência de unidade, a falta de preocupação com as
especificidades de cada um, ou seja, a generalização, não favorece nenhum
surgimento que se remeta a algo dessa instancia.
Devemos pensar a construção de uma identidade subcontinental “comum” e
forte, para justificar o emprego do conceito de America Latina, usado para
classificar os países da America do sul e central, assim como o México. Por
conseguinte essa classificação faz sobressair a zona política em relação à zona
geográfica. Comuns alem de tudo, porque todos esses, de acordo com Rouquié, foram
dependentes do mercado mundial como produtores de matéria prima e bens
alimentares – ponto de vista completamente reducionista e que reproduz o
imaginario de “dominador” que esses países possuem, ate os dias atuais
inclusive. Esse movimento descarta a diversidade e peculiaridades dessas
nações. Somos países tão disparos em tantos pontos, tanto em economia, quanto
territorial, língua, relações sociais e culturais. O conceito de latino-america
tenta, por via de um discurso de alteridade etnocêntrico, abraçar esses países,
propagando um sentimento de unidade por via desses termos. Sendo assim, os latinos americanos seriam
todos os países em vias de desenvolvimento e não dependem simplesmente da
historia, encontrando-se igualmente em estruturas análogas e com problemas
idênticos. Conceito que foge totalmente do preocupar com as especificidades de
cada pais e, a forma como ele usa o adjetivo idêntico, nos da idéia do
generalizar, justamente porque ele é um Francês e não um latino Americano, caso
contrario teria a mínima noção de que nossos problemas não são nem um pouco
“idênticos”. Para Rouquié, esses países possuem em comum a miséria, a desgraça;
cultivam a cultura da pobreza.
Os latinoamericanos por sua vez, apresentaram uma resposta diante a essa
disputa entre França e EUA. De acordo com Arturo Ardão no texto
“Panamericanismo e Latinoamericanismo” explica por outras vias de interpretação
as conseqüências que esses conceitos provocaram dentro do conjunto de países disputados.
A título de começo, o autor nos insere dentro de um contexto histórico bem mais
amplo que Rouquié, tendo em vista que nos da dimensão de criação (e seus
reflexos) dos dois termos. Identifica também o processo de imposição de ideologias
tanto da frança, quanto dos EUA, com sua “Doutrina Monroe”.
Dentro desse processo de construção do termo de America Latina, surge o
latinoamericanismo, que circula aqui devido ao intercambio de intelectuais
hispanoamericanos que estavam na França. O conceito, por sua vez, também
recebeu outra apropriação, mas dessa vez partindo dos próprios
“latinoamericanos” para fazer frente tanto aos EUA, quanto à França. Essa nova
imagem seria a imagem que condecora seu próprio espaço, de modo a reconhecer suas
diferenças e especificidades, ainda que o referente mestiçagem seja bastante
evocado por fazer realmente parte do contexto social que se inserem. O processo
de definição e aplicação do conceito de America Latina desaparece como
contradição interna e ganha espaço nas discussões exteriores. Nestes termos, os próprios latinoamericanos
criam a imagem comum de um conjunto de países que, apesar de terem sido
explorados ao seu máximo, de terem tido sua população nativa dizimada, de terem
que “aceitar” um padrão sociocultural europeu, reconhecem o processo histórico
pelo qual foram submetidos de forma totalitária e injusta, distanciando o
emprego da imagem de vitimizados. Isso
porque os significados dessa expressão nos fazem inferências a algo que é menos
que o outro e que por sua vez, mantém dependências históricas e dependências
presentes (tanto econômicas quanto culturais); Imagem contraria à que os
próprios latinoamericanos querem fazer reconhecida.
A musica “Latinoamérica” da banda porto-riquenha Calle 13, nos apresenta exatamente este contexto, tanto em seus versos
quanto na difusão semiótica das imagens do clipe. A começar pelo primeiro verso
da musica: “Soy, soy lo que dejaron...
Soy toda la sombra de lo que robaron” que segue de modo concomitante com a
imagem de um coração batendo. Esses elementos nos fazem referencia a justamente
a esse contexto de apropriação de um novo signo ao conceito de America Latina,
construído pelos próprios latinoamericanos. Sendo assim, eles se afirmam
exatamente diante dessa disputa entre EUA e França, de modo que tenham
reconhecimento mundial; justamente por isso se faz uso do verbo sou como mecanismo de afirmação,
denotando um posicionamento consciente dessas nações do que realmente elas são,
das verdadeiras características que as ligam. “Sou aquilo que restou do que roubaram”, verso que se liga as antigas civilizações já existiam muito antes da chegada dos
europeus e que, quando chegaram, “roubaram” a verdadeira identidade do que eram
por via enfática da difusão de seus padrões culturais, sociais, políticos e
afins de maneira violenta e que visava
apenas a exploração dos recursos naturais e mão de obra que as “novas” terras
ofereciam. Para tentar representar o que seria essa nova imagem construída
pelos latinoamericanos, farei uma seqüência de analise de alguns versos que nos
ilustram isso.
“Eu sou o sol
que nasce e o dia que morre
Com os melhores entardeceres”
As mais belas paisagens se encontram
no nosso território latinoamericano.
“Sou o desenvolvimento em carne viva
Um discurso político sem saliva”
Esse verso,
por sua vez, esta exatamente contradizendo a idéia de Rouquié a despeito das
classificações pautadas na classificação de desenvolvimento e
subdesenvolvimento.
“As mais belas faces que conheci
Sou a fotografia de um desaparecido”
Nos relembrando a discussão
historiográfica de que a América não tem história. Visto que a fotografia faz
alusão a um passado congelado e recortado daquilo que não existe mais.
“O sangue em
suas veias
Sou um pedaço de terra que vale a
pena
Uma cesta com feijão, eu sou Maradona
contra a Inglaterra
Anotando-te dois gols”
“Sou o que sustenta minha bandeira
A espinha dorsal do planeta, é a
minha cordilheira”
Já estes versos são de extrema
importância pro que ressaltam a total consciência de que eles foram e são e
serão a “espinha dorsal” do planeta, ou seja, aquele que dá sustentabilidade
aos demais países. Versos importantes que demonstram uma apropriação oposta
àquela francesa.
De acordo com Ardão, os anos de 1948 simbolizam um marco histórico de
extrema importância para reconhecimento, em dimensão mundial, do novo signo que
o termo latinoamerica construíra, devoto de uma construção própria do latinoamericanismo
(aos moldes latinos simbolizado pela criação da CEPAL, etc). Já o conceito de
panamericanismo foi cada vez mais entrando em desuso, causado pelo pensamento
critico da America Latina, (contradizendo os dizeres de Rouquié no que diz
respeito à sua afirmação sobre a falta de alcance de discussões em torno das
reformas de base – vamos chamar assim- ao âmbito político e teórico, social e
cultural; o que não é verdade). Hoje, em decorrência desse fato, se usa a
reconfiguração do termo “inter-panamericanismo”. (texto incompleto)
Nenhum comentário:
Postar um comentário