Para começar a refletir
acerca da questão proposta devemos pensar no que consiste a metapsicologia. De
acordo com Anthony Elliot[1] a
psicologia do ego envolve a problematização da configuração do Eu e do
questionamento da noção de subjetividade, fazendo associações entre desejo e
razão, o Eu e a emoção; tudo isso circunscrito no universo das relações
culturais. A metapsicologia dedica-se a estudar um campo da psicanalise até
então não explorado pela psicologia empírica de cunho positivista, embasada em
ideais iluministas cartesianos, centradas naquilo que é fixo. Uma concepção
supersocializada do Eu, onde o individuo é essencialmente racionalizado e assim,
livre de conflitos. É nesse contexto que a metapsicologia desafia essas
avaliações da construção do Eu e da identidade. A teoria psicanalítica revela
que o Eu ou o Ego compõe apenas uma das dimensão da subjetividade, que por sua
vez é construída de modo peculiar através de operações inconscientes ligada à
instância do desejo. Um desejo que se engendra no campo do imaginário
fantasioso, direcionado a outrem. Mostrando desse modo, que existe uma relação
para além do consciente, chamado de subconsciente.
Não obstante, o eu
oculto (subconsciente) repleto de fantasias, impulsos, desejos e paixões,
configura também uma forma de organização do Eu, expressado sutilmente nas
relações sociais da vida cotidiana do individuo. As ideias que configuramos de
nós mesmos e dos outros destacam dimensões afetivas da subjetividade humana.
Tem-se assim uma divisão entre duas estruturas: dimensões do consciente e
inconsciente. Em suma, acredita-se que a construção do eu envolve
um cenário social, onde as imagens construídas são capazes de trazerem consigo
amplas implicações em termos de critica social, politica e cultural; assim como
existe também o pensamento que acredita que a formação da identidade do eu é
baseada em ficções, na imaginação fantasiosa.
Dentre os estudos psicanalíticos, destaca-se o
pensamento de Sigmund Freud[2],
que desenvolve a psicanalise como campo de investigação, método de pesquisa e
prática psicoterapêutica, que se estabelece a partir da fala. A narrativa,
método capaz de desenvolver a analise é de extrema importância, então, para construção
dos fatos psicanalíticos. É através dela que se alcança uma ressignificação das
neuroses, saindo da alienação de si mesmo; “a cura pela fala”. Construindo, de
acordo com Paul Ricouer, a experiência
analítica.
A identidade se
encontra em construção contínua, por via das relações sociais estruturadas e regidas
pela fantasia, que tem por elemento contingencial a socialização e a
constituição de afetos. Principalmente se se tratar de um relacionamento de
cunho sexual. O emocional faz reconhecer que, por exemplo, um fim de
relacionamento deste tipo pode desencadear sentimentos de perda, de sofrimento
e magoa. Justifica-se assim “a
significação da conversa corriqueira: o reconhecimento implícito de que a
identidade é plasmada por amplas influencias emocionais”[3]. Construindo
dessa maneira uma psicodinâmica emocional no processo de construção do Eu e dos
relacionamentos sociais. De acordo com Freud, dentro desse processo de
alteridade inconsciente, situa-se as instancias da psique, dividas no id, ego e
super-ego. O id, seria uma cadeia de pulsões e significados, que são jogados no
consciente e no subconsciente, desconhecendo a logica, a realidade, negação ou
contradição. O ego, se forma com bases em um tipo de consciência moral,
pré-estipulada em uma sociedade. O super-ego tem suas bases no id, funcionando
mais ou menos como uma idealização do Eu. O contato com o outro, portanto,
influi na construção do Eu, assim como o impulso corporal libidinal, ligada à
sexualidade.
O conceito de
representação ou fantasia esta no cerne da discussão que gira em torno da formação
do Eu. O “principio de realidade” impõe limitações aos impulsos voltados para o
prazer do inconsciente. Essa oposição entre prazer e realidade é de extrema
importância para a formação da vida do ser humano; ligados ao mecanismo de
repressão. A formação do ego racional depende desse contato com a realidade.
De acordo com Paul
Ricouer[4],
no seu texto “A questão da prova em psicanálise”, descreve que o desejo se
insere na dimensão subjetiva da significação, através do objeto desejado, do
outro. Envolve então a questão das demandas, dos objetos perdidos e
substituídos, concluindo que a mediação do outro é constitutiva do desejo –
movido pela falta. Percorrendo sobre a separação da realidade psíquica da
realidade material, Ricouer diz que a realidade psíquica parte da ordem do
imaginário, da fantasia, e a realidade material seria estabelecida a partir da
vida social. Faz-se necessário tal distinção porque, irá trabalhar em torno dos
fatos psicanalíticos, que se encontram na ordem da realidade psíquica, numa
relação dialética entre resistência e coerência. Todo individuo tem de negociar a rendição do
principio de prazer ao principio da realidade. Muitos desejos não podem ou não
devem ser postos em ação em detrimento das convergências e imposições sociais.
Sendo assim, de acordo com Freud, tem-se como resposta o
mecanismo de repressão. Essa por sua vez, é tida por Freud como um meio termo
entre a fuga e a condenação que perpassa pelo que denomina de impulsos
instintuais. Um exemplo dado: a fome. Quando se tem fome e não se come nada,
permanece-se a sensação de insatisfeito. O estimulo instintual de sentir fome
se torna imperativo mantendo veemente a tensão de necessidade, não podendo ser
abrandado senão por um ato de satisfação. Nesses casos, onde existe tensão em
torno dos impulsos instintuais, o mecanismo de repressão é pouco observado,
devido a essa necessidade de satisfação. No entanto, através da experiência
clinica, percebe-se que pode haver prazer em usar a repressão no lugar da
satisfação do impulso instintual. Para que isso aconteça, é necessário que o
motivo do desprazer seja maior que o prazer da satisfação.
Freud analisa o
procedimento da repressão nas psiconeuroses, dividindo-a em duas partes. A
primeira consiste na repressão primordial.
Essa
fase da repressão que consiste no fato de ser negado à representante psíquica
do instinto o acesso ao inconsciente, produzindo certa fixação. Essa
intensidade ilusória do instinto é produto de uma desinibida expansão da
fantasia e de sua forçada repressão. Assim, a representante psíquica persiste
sem alteração e o instinto acaba por permanecer ligado a ela. Em seguida tem-se
a segunda fase: a repressão propriamente
dita, que afeta os “derivados psíquicos” da representação psíquica
reprimida. Constituindo-se, portanto, em uma pós-repressão. O instinto vai
sendo suprimido de modo a se transformar em angustia ou afeto; isso vai
depender da quantidade de energia psíquica que o individuo ira gastar e
direcionar. Caso a repressão não impeça a sensação de angustia e desprazer, significa
que houve uma falha ou fracasso. Esse fracasso origina o retorno do recalcado,
configurando as neuroses. As situações neuróticas envolvem a questão da verdade
e da realidade psíquica, onde os fantasmas (o recalcado) aparecem em sequencias
de repetições num cenário estruturado. Os mecanismos de repressão são assumidos
na necessidade de conciliação entre a realidade psíquica e a realidade material.
Por via não só desses conceitos desenrolados aqui, mas do conjunto teórico como
um todo ao qual não abordei por completo, e da experiência psicanalítica vai
desenhando o envolvimento entre a fantasia e as relações sociais.
[1] Elliot, Anthony. “A
construção do eu. Divergências na teoria psicanalítica”. In: Teoria psicanalítica.
Introdução. Trad. São Paulo: Loyola, 1996, p. 15-53.
[2] Freud, Sigmund.
“Ensaios de metapsicologia”. In: Obras
completas. Trad. São Paulo: Cia. das Letras, v. 12 (1914-1916), 2010, p.
51-194.
[3] Freud, Sigmund.
“Ensaios de metapsicologia”. In: Obras
completas. Trad. São Paulo: Cia. das Letras, v. 12 (1914-1916), 2010, p.18
[4] Ricoeur, Paul. “A
questão da prova em psicanálise”. In: Escritos
e conferências I. Em torno da psicanálise. Trad. São Paulo: Loyola, 2010,
p. 17-55.
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