quinta-feira, 15 de dezembro de 2011


UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
ICHS – Mariana
Nome: Fernanda Gabriella Silva Ribeiro
Data: 14/12/2011   Disciplina: História da Escravidão
Prof.: Andréa Lisly    Atividade Avaliativa (trabalho) 


Como forma de organizar os escravos trazidos da áfrica, Mariza de Carvalho Soares em seu texto “Mina, Angola e Guiné: nomes d’África no Rio de Janeiro setecentista” aponta como fator principal a origem do escravo que acompanhava os seus nomes; critério pelo qual eram encaixados na sociedade. De acordo com Soares o nome traz a marca de designação de um grupo: suas características físicas e comportamentais, línguas, crenças e formas de vestir.
            Soares critica a corrente historiográfica que, mesmo abordando temas como escravidão e o trafico, se esquecem da composição étnica da escravaria, visto que “mesmo quando recobrem universos empíricos idênticos, elas correspondem a indagações teóricas de diferentes ordens”.
 Neste texto Mariza de Carvalho Soares vai se debruçar sobre a noção de identidade étnica desses escravos trazidos da África, tendo como fonte os livros de batismo de escravos relativos aos anos de 1718 a 1760. Nesta análise, a autora percebe que havia a necessidade de se registrar a procedência e a cor dos escravos. Parte do ano de 1718 porque nesta data foi aberto na freguesia da Sé – Rio de Janeiro- o sétimo livro dos “pretos cativos” para registro de cativos, e nota que ao ganharem a alforria, não bastava apenas ganhar a liberdade. Seus nomes deveriam sair do “livro dos pretos” para o “livro dos brancos”. Soares observa também que a porcentagem de adultos batizados corresponde em maior numero (77,55%) de escravos minas. Esse elevado número se deve também a não realização de batismos nos portos de embarque da Costa Mina; enquanto que os vindos de Angola, eram batizados em São Paulo de Luanda. Portanto, como esse registro era feito apenas uma vez, o numero de angolanos na cidade do Rio de Janeiro registrados era menor do que os vindo de Mina.
Esses escravos traziam junto ao nome a indicação do “gentio” ou “nação” a que pertencem, mostrando a convivência de dois sistemas de classificação e organização da escravaria africana. Diferenciando os dois termos, Soares diz que a palavra gentio está associada àqueles que seguem a chamada lei natural, diferente dos cristãos e judeus, e era usada para designar os povos almejados pela catequese missionária, enquanto que a palavra nação diz respeito á um país ou região que possuem leis, línguas e governos a parte e se aplicava a cristãos ou infiéis, com o qual o Estado português se relacionava. Diferencia os termos também pelo período de tempo em que foram usados. ‘Nação’ foi usado durante todo o tempo, desde o século XV ao século XIX, enquanto que ‘gentio’ cai em desuso no século XVIII. Apesar disso, os escravos vindos de Guiné eram sempre classificados como gentio.  
Essas distinções eram necessárias, pois havia uma diferença de tratamento dos escravos de acordo com sua procedência. Soares chega a essa conclusão embasada nas anotações do vigário Ignácio Manoel, as quais essas diferenças de tratamento são relatadas.
Soares faz menção, e se contrapõe, ao antropólogo Herskovits, que baliza os estudos sobre os negros no Brasil, utilizando um artifício que o permitiu comparar as características culturais de um grupo de escravos do Novo Mundo com grupos étnicos africanos. Dessa maneira, Herskovits traça pontos em comum entre as culturas africanas e suas perpetuações no Novo Mundo. Mariza Soares se diverge desse pensamento herskovitiano, porque segundo ela “partem do pressuposto de que um grupo étnico se define em função de traços culturais que podem ser subtraídos, acrescidos ou transferidos, reaparecendo do outro lado do Atlântico sob forma de ‘sobrevivências’ ou ‘resistências’ da cultura africana’[1] e que essa perspectiva “se não desconsidera, pelo menos minimiza a importância das transformações porque passam segmentos de grupos étnicos transferidos de forma tão violenta de um continente para o outro.” [2]
Soares aponta que essas culturas são distintas, e que mesmo se os escravos tivessem optado pela reconstrução da cultura africana no Novo Mundo, sua cultura não seria a mesma. Para tal conclusão, soares ressalta a definição de cultura por ela utilizada. Tal conceito distancia-se da idéia de busca por traços originais e de resistência à mudança. Para ela, a cultura é algo mutável de acordo com o lugar em que se encontra. Ou seja, um grupo de procedência denominado “mina” no Rio de Janeiro pode ser diferente daquele designado como “mina” na Bahia ou em outras regiões do Brasil assim com na África. Segundo a autora esses grupos de procedência se constituem das relações entre escravos e as sociedades escravistas; e se de um lado esses grupos são tidos pelos livros paroquiais como uma forma de identificação e organização dos escravos, por outro lado os próprios escravos faziam uso dessa classificação como meio de se organizarem.
Nesse contexto, Marisa Soares exemplifica sua analise através dos registros de casamento de escravas, visto que acredita que estes são exemplares para análise da organização dos grupos de procedência na cidade do Rio de Janeiro. Os casamentos entre escravos eram favorecidos e vários senhores tinham o costume de casar seus escravos entre si. Mesmo que Soares não mencione isso em seu texto, o casamento é importante porque permite ao escravo constituir uma família, mantendo assim suas tradições e costumes, mesmo que essas tenham sofrido transformações; assim, se formavam laços de solidariedade horizontais entre os escravos, possibilitando assim a passagem de suas crenças a seus descendentes. Para os senhores, o casamento também era uma forma de recompensa pelo bom comportamento, sendo assim, este artifício, por mais que possibilite laços horizontais de solidariedade entre os escravos, impede de certa forma que eles se revoltassem contra seus senhores.
Marisa Soares diz que esses casamentos, forçados ou não, entre escravos de um mesmo grupo de procedência, podem ser explicados no plano de conveniência dos senhores. Mas, como o numero de casamentos era relativamente alto entre esses escravos de mesma procedência, a autora acredita que havia outros tipos de motivações e regras para acontecerem; fatores que vão para alem da disposição de seus senhores em casar suas escravas, mas que segundo Soares, essas fontes não revelam. Os dados sobre os casamentos de africanos na Bahia e no Rio de Janeiro mostram como as estratégias para a constituição dos grupos de procedência podiam variar.
Soares ressalta para o esclarecimento do conceito de identidade étnica e os mecanismos utilizados para sua identificação. O conceito está diretamente relacionado com o próprio conceito de cultura. Portanto, “tanto a cultura quanto a identidade étnica de um grupo estão em estreita ligação com as condições de vida da sociedade na qual estão inseridos.” [3]
A autora conclui que a identificação de um grupo étnico, num conjunto de escravaria, é possível pelas formas culturais e/ou interesses envolvidos na organização de um grupo. A identidade dos escravos é construída por via da combinação do grupo étnico a um grupo de procedência, sendo que podem ser atualizados de acordo com a ocasião. Segundo Marisa Soares, essa convivência entre grupos distintos de procedência ou iguais ajudam a formar uma identidade comum entre esses grupos, construída nas novas condições de cativeiro.
“Por fim, a possibilidade de recursos a múltiplos critérios para constituições de grupos (entre eles o grupo étnico e a procedência) termina por viabilizar a constituição de grupos que reivindicam até mesmo uma nova identidade “inventada” com base em formas culturais partilhadas pelo grupo naquele dado momento, independente da sua vida pretérita. As chamadas ‘nações’ de candomblé são um exemplo de tradições inventadas.” [4]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


SOARES, Marisa de Carvalho – “Mina, Angola e Guiné: nomes d’África no Rio de Janeiro setecentista” .





[1]Marisa de Carvalho Soares  - “Mina, Angola e Guiné: nomes d’África no Rio de Janeiro setecentista” p.86

[2]  Idem 1
[3] Marisa de Carvalho Soares  - “Mina, Angola e Guiné: nomes d’África no Rio de Janeiro setecentista” p.91
[4] Marisa de Carvalho Soares  - “Mina, Angola e Guiné: nomes d’África no Rio de Janeiro setecentista” p.92

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