sexta-feira, 11 de maio de 2012


1964 E A DITADURA MILITAR - balanceamento historiográfico segundo Carlos Fico. 

Pretendo neste verbete mostrar, através do texto de Carlos Fico “Versões e controvérsias sobre a ditadura militar”, os diferentes rumos que a escrita da historia seguiu após 1964, junto do golpe militar. Sintetizar e saber de tal balanço historiográfico nos ajuda a compreender o porquê cada fase da historiografia segue determinado rumo. No texto, Fico vai expor e discutir as principais correntes historiográficas sobre o golpe de 1964.
A primeira corrente surgida sobre a escrita historiográfica do golpe foi logo após a saída do general Castelo Branco do poder, onde afirmavam que a repressão, a agressão dos direitos civis e humanos foram quebrados pela corrente “linha dura” dos militares. Nesta analise, a figura do ex-presidente acaba sendo isentada da culpa pelas mortes e torturas aos caçados pelo estado. Construindo a imagem de Castelo Branco como “moderado” e “legalista”. Tal imagem também foi beneficiada pelos biógrafos. No decorrer do texto, fico contrapõe a imagem construída de que o começo do golpe estava baseado numa “operação limpeza” e de que os episódios de 1968 foram um golpe dentro do golpe. Segundo o autor, a institucionalização do AI5 em 1968, foi sim um “episódio de amadurecimento de um processo que se iniciara muito antes e não uma decorrência dos episódios de 1968”.[1] Visto que tal concepção isentava Castelo Branco dos atos institucionais e da excessiva repressão.
Fico sinaliza para um crescente aumento nas pesquisas sobre o tema após os anos 80. Segundo o autor, a abordagem propriamente histórica da ditadura é bem recente. (essa primeira corrente como ele havia falado, acaba manipulando a imagem dos militares e em especial de Castelo Branco, que foi o primeiro presidente a assumir depois do decreto da tomada de poder civil dos militares.
 Assim como Badaró, Fico separa a produção historiográfica por período. A primeira fase foi, segundo Fico, uma espécie de ‘politologia’ – ciência que estuda a política -  inspirado pelos estados unidos; vertente por onde muitos tentaram explicar as crises militares de países como Brasil. Essa vasta produção historiográfica, mesmo não animando muito os historiadores, tiveram uma contribuição significativa para o entendimento do golpe. A segunda vertente/fase se relaciona com os estudos sobre a memória – estudos memorialísticos- que cresceu a partir do governo de Geisel, constituindo um primeiro conjunto de versões sobre a ditadura, revelando seus mitos ou estereótipos.
Introduzido o debate, Fico começa a fazer uma varredura sobre as produções historiográficas mais influentes ate então produzidas. Começando por Jacob Gorender que, mesmo partindo do estudo da memorialística, é criticado por Fico por estipular uma versão verdadeira, tendo como objeto de analise depoimentos e relatos dos testemunhos da luta armada.
Voltando à descrição das primeiras leituras sobre o assunto, Fico aponta para uma dicotomia entre os “linhas duras” versus “moderados” ou “Castelistas”. Nesse contexto mostra que existe uma tentativa acadêmica de criação de uma tipologia dos grupos de militares. Tentativa que para Carlos Fico é considerada como algo difícil, visto a diversidade de correntes políticas dentro do exercito, e que esse critério de divisão entre duros e moderados deve ser abandonado visto que outros fatores são muito mais importantes para a criação desta tipologia como a formação militar e laços de lealdade  e o posicionamento em relação à repressão violenta.
 No texto, ao explicar o processo de tomada de poder dos militares em 1964, Fico destaca o sistema implantado em 1969, o Codi-DOi, onde foram juntados os órgãos de força do país como o poder militar, civil, naval e até mesmo bombeiros, sendo responsáveis pelos principais episódios de violência e tortura no país. Hoje, a nova linha historiográfica, confirma que a tortura e o extermínio foram oficializados como praticas autorizada de repressão pelos oficiais-generais e até mesmo pelos generais presidentes.
A nova fase da historiográfica sobre o período militar se afasta das leituras tradicionais de cunho marxistas, se encaixando no âmbito, do que o autor chama, de ‘nova história’. Essa nova linha se preocupa em valorizar o individuo e sua subjetividade, sua ‘mentalidade’ e sua ‘experiência de vida’ – essa vertente acaba se contrapondo à escola dos annales fundada nos anos 1950 e 1960. Os historiadores da corrente da Nova História fogem da escrita estruturalista da historia, se interessando por estratégias cognitivas, onde a subjetividade do individuo é muito valorizada.  Segundo Carlos Fico,
“o conjunto dos pilares básicos da repressão (espionagem, policia política, censura da imprensa, censura de diversões publicas, propaganda política e julgamento sumario de supostos corruptos) permite compreender que, a partir de 1964, gestou-se um projeto repressivo global, fundamentado na perspectiva da “utopia autoritária”, segundo a qual seria possível eliminar o comunismo, a ‘subversão’, a corrupção etc. que impediram a caminhada do Brasil rumo ao seu destino de ‘país do futuro”.

Nesse período de ‘vitória’ dos linhas duras, dois tipos de censuras foram fortemente vigentes no período: A censura da imprensa e a censura das diversões publicas. Ambas apresentam diferenças e conflitos entre si. Tais problemas surgiram pela infiltração da dimensão política na censura de costumes. Um bom exemplo dado por Fico foi o embate da AerP (Acessoria Especial de Relações Píblicas) com os militares linha dura, que viam a acessória como órgão desimportante e seus conteúdos eram tratados como supérfluos. Para a LINHA DURA a imagem que deveria ser transmitida à população não era de uma exaltação otimista de um país em crescimento, mas sim uma imagem mais radical, explorando slogans como “Brasil AME-O OU DEIXE-O”. Segundo Carlos Fico, essa linha de militares pretendeu se afirmar pela força de uma guerra psicológica e não pelas propostas de propagandas educativas da AERP. 
 Mudando um pouco o rumo da discussão, Fico destaca um ponto interessante nas produções historiográficas: a abordagem da historia do Brasil de 1964 a 1985, normalmente se restringem à historia da ditadura militar. Outros temas também compõe nossa historia, como os conflitos entre as mudanças comportamentais da sociedade, como o movimento hippie, a liberalização das praticas sexuais e as manifestações artísticas e  culturais das ‘van-guardas’.

CAUSAS DO GOLPE
SÍNTESE:
“Nada obstante, o estudo da memória militar chama a atenção para aspectos complexos do processo histórico que culminou o golpe, dentre quais revela o caráter aparentemente disperso da conspiração. De fato, para Dreifuss, o golpe resultou de uma articulação conspiratória centralizada no complexo Ipes/Ibad, como já foi visto. Porém, segundo Ary Soares, o que houve foi um caos conspiratório, pois a coordenação entre os grupos em diferentes pontos do país era pequena e, algumas vezes, na mesma cidade, grupos militares diferentes conspiravam sem maior articulação. A própria iniciativa de Mourão sublinha essa falta de uma coordenação centralizada, ao contrario da leitura de Dreifuss”.

Neste ponto, Carlos Fico se debruça a explorar realmente a bibliografia por ele trabalhada, tentando mostrar as tres correntes de pensamento que giram em torno das causas do golpe de 1964. São elas:
- tentativa de teorização da ciência Política,
- as análises marxistas,
- valorização do papel dos militares.

Segundo Alfred Stepan, a principio os militares eram tidos como despreparados, incapazes de assumir o poder político; mas, a grande ‘ameaça comunista’ causava o medo de que Goulart pudesse dar um golpe de esquerda aliado ao comunismo, devia às reformas de base por ele propostas. Para Carlos Fico, esta analise de Stepan apresenta muitas insuficiências históricas, visto que antes de 1964 já houve interferências do poder militar no âmbito político. Outra critica levanta por fico ao trabalho de Stepan é que ele não se dá conta da heterogeneidade política dos militares embora tenha feito distinção entre moderados e conservadores. Como ponto positivo da obra de Stepan, Fico aponta para a necessidade que ele demonstra de se estudar os militares, considerando suas interações com a sociedade e suas características especificas de grupo especializado.
                     Neste contexto, cita Wanderley Guilherme dos Santos: parte de um modelo teórico intitulado “competição política e calculo do conflito”. Sendo assim, Santos considera a crise de 1964 como uma crise de paralisia decisória e o golpe teria sido fundamentalmente o resultado do emperramento do sistema político do que uma reação às medidas governamentais. Santo não propõe uma explicação para o golpe em si, mas busca esclarecer os processos de ‘crescente paralisia política’ seguida de alguma forma de violência. Segundo este autor, a imobilidade no governo de João Goulart favoreceu muito ao golpe. A grande rotatividade ministerial ocorrida no governo de Jango foram maiores desde 1946. Carlos Fico critica Santos no que diz respeito a sua reflexão sobre “o paradigma tradicional de analise”, pois não se define quanto ao seu objeto final de sua analise.
   “A critica inicial de Santos ao “paradigma tradicional de analise” é confusa, pois não se define quanto ao objeto final de suas considerações: seriam insuficientes as teses (marxistas) que fazem prevalecer as estruturas econômicas e sociais em detrimento dos sistemas políticos ou paradigma criticado seria apenas aquele que se refere à leitura do ‘populismo’ como gerador do confronto entre executivos progressistas e legislativos controlados pela oligarquia rural?”[2]

                     Para Carlos Fico, a grande contribuição de Santos para a historiografia foi a abordagem das questões parlamentares, dos congressos e dos partidos políticos. Algo que até então era desprezado pela maioria dos analistas do regime militar.
                     Outro ponto de vista seria o de Argelina Figueiredo, que em 1987 escreve sua tese de doutorado avaliando a ênfase que Santos dá aos aspectos político-institucionais que subestimam o caráter socioeconômico dos problemas vigentes no começo dos anos 60 – as reformas estruturais. Segundo Fico “A autora atribui grande importância à recusa das teses de algum modo deterministas, isto é, as que afirmavam a inevitabilidade do golpe a partir da consideração de algumas condições suficientes, sejam os fatores econômicos, sejam os políticos e institucionais, tal como estabelecido pela leitura de Santos.[3]
Argelina Figueiredo também se contrapõe à visão determinista, de centralidade do papel da burguesia na conspiração, assim como analisado por Dreifuss. O trabalho da autora chama a atenção para alguns episódios obscurecidos e que foram pouco abordados na bibliografia sobre o tema.
           A ciência política recebe influencia dos EUA; ao enfatizar que as leituras marxistas se contrapunham às variáveis politicos-institucionais e as variáveis políticas – visto que a visão marxista determina a condição econômico-estruturais com o condicionamento de classe. Um desses autores que partem uma analise marxista é João Quartini de Moraes, que diz que o golpe de 1964 teria sido um golpe reacionário de direita do qual os militares constituíam o instrumento decisivo. Porem a visão marxista mais conhecida sobre o golpe parte de Jacob Gorender. Carlos Fico atribui a Gorender a consolidação de duas das principais linhas de pesquisa sobre o golpe de 1964. O papel determinante do estagio do capitalismo brasileiro e o caráter preventivo da ação, tendo em vista as reais ameaças revolucionarias provindas da esquerda.
           Alem disso, Fico faz uma comparação entre as teses de Dreifuss e Gorender:
Dreifruss acredita que o domínio econômico do capital multinacional na economia brasileira não encontrava uma correspondente liderança política.
          Segundo Fico, “se vê aí uma discordância significativa com a analise de Gorender,para qual o vetor da luta política não estava na conquista da hegemonia pela fração multinacional- associada à burguesia, mas na substituição do controle de tipo “populista” das classes populares por outro decididamente coercitivo.
          Outro ponto trabalhado por Dreifuss foi a descrição das atividades das organizações empresariais do Ipes – Instituto de pesquisa e ciências sociais e o Ibad – Instituto Brasileiro de Ação democrática. O Ipes foi um órgão fundando em 29 de abril de 1961, resultando da fusão de grupos de empresários organizados no RJ e SP, mas que rapidamente ganhou adesão das classes produtoras dos outros estados. Encarregava-se de uma campanha doutrinaria contra o governo de Goulart através da distribuição de livro e filmes doutrinários.  A má imagem de Jango e de seu projeto de reformas de base, criado pelo Ipes, era usada como justificativa para luta contra os comunistas no Brasil e era cabível á eles a interrupção do movimento esquerdista no país.
                     Segundo Fico e Reis Filho, a maior fragilidade de Dreifuss foi pensar que a classe media teria aceitado passivamente as influencias ideológicas do Ipes/Ibad. Por trás dessa aceitação havia o medo que a classe sentia, pois percebiam que um processo radical de distribuição de renda. Fico diz que somente a ação do Ipes/Ibad não foram suficientes para se explicar a troca de regime, a construção de uma rede de apoio com as forças armadas foi outro fator muito importante.
          Outros teóricos como Ary Soares, que partem da memorialística – analisa depoimento dos próprios militares, defendem que o golpe foi estritamente militar, um golpe de cunho especificadamente político – assim como defende Carlos Fico – Não foi dado pela burguesia ou pela classe media, independente do que se prestaram em apoio à ditadura. A tese de Soares é de que o golpe foi preponderantemente uma conspiração dos militares com apoio dos grupos econômicos brasileiros.  Outra tese que contrapõe as idéias de Dreifuss – que diz que o golpe foi uma articulação dos grandes empresários em torno do Ipes na tentativa de defesa dos interesses do capital estrangeiro. Soares se preocupa mais em destacar as motivações dos militares para o golpe, como a o caos administrativo e a desordem política, o perigo comunista e da esquerda em geral e os ataques à hierarquia e da disciplina militar. Por fim, Fico conclui:
“As transformações estruturais do capitalismo brasileiro, a fragilidade institucional do país, as incertezas que marcaram o governo de João Goulart, a propaganda política do Ipes, a índole golpista dos conspiradores, especialmente dos militares – todas são causas, macroestruturais ou micrologicas, que devem ser levadas em conta, não havendo nenhuma fragilidade teórica em considerarmos como razoes do golpe tanto os condicionantes estruturais quanto os processos conjunturais ou os episódios imediatos. Que tal uma conjunção de fatores adversos – esperamos todos – jamais se repita.”[4]



[1] Fico, Calos. Versões e controvérsias sobre a ditadura militar. P.34
[2] Fico, Calos. Versões e controvérsias sobre a ditadura militar. P.46
[3] Fico, Calos. Versões e controvérsias sobre a ditadura militar. P.47
[4] Fico, Calos. Versões e controvérsias sobre a ditadura militar. P.56