1964 E A DITADURA MILITAR - balanceamento historiográfico segundo Carlos Fico.
Pretendo neste verbete mostrar, através
do texto de Carlos Fico “Versões e controvérsias sobre a ditadura militar”, os
diferentes rumos que a escrita da historia seguiu após 1964, junto do golpe
militar. Sintetizar e saber de tal balanço historiográfico nos ajuda a
compreender o porquê cada fase da historiografia segue determinado rumo. No texto,
Fico vai expor e discutir as principais correntes historiográficas sobre o
golpe de 1964.
A primeira corrente
surgida sobre a escrita historiográfica do golpe foi logo após a saída do
general Castelo Branco
do poder, onde afirmavam que a repressão, a agressão dos direitos civis e
humanos foram quebrados pela corrente “linha dura” dos militares. Nesta
analise, a figura do ex-presidente acaba sendo isentada da culpa pelas mortes e
torturas aos caçados pelo estado. Construindo a imagem de Castelo Branco como
“moderado” e “legalista”. Tal imagem também foi beneficiada pelos biógrafos. No
decorrer do texto, fico contrapõe a imagem construída de que o começo do golpe
estava baseado numa “operação limpeza” e de que os episódios de 1968 foram um
golpe dentro do golpe. Segundo o autor, a institucionalização do AI5 em 1968,
foi sim um “episódio de amadurecimento de
um processo que se iniciara muito antes e não uma decorrência dos episódios de
1968”.[1] Visto
que tal concepção isentava Castelo Branco dos atos institucionais e da
excessiva repressão.
Fico sinaliza para um
crescente aumento nas pesquisas sobre o tema após os anos 80. Segundo o autor,
a abordagem propriamente histórica da ditadura é bem recente. (essa primeira
corrente como ele havia falado, acaba manipulando a imagem dos militares e em
especial de Castelo Branco, que foi o primeiro presidente a assumir depois do
decreto da tomada de poder civil dos militares.
Assim como Badaró, Fico separa a produção
historiográfica por período. A primeira fase foi, segundo Fico, uma espécie de
‘politologia’ –
ciência que estuda a política -
inspirado pelos estados unidos; vertente por onde muitos tentaram
explicar as crises militares de países como Brasil. Essa vasta produção
historiográfica, mesmo não animando muito os historiadores, tiveram uma
contribuição significativa para o entendimento do golpe. A segunda
vertente/fase se relaciona com os estudos sobre a memória – estudos memorialísticos- que
cresceu a partir do governo de Geisel, constituindo um primeiro conjunto de
versões sobre a ditadura, revelando seus mitos ou estereótipos.
Introduzido o debate,
Fico começa a fazer uma varredura sobre as produções historiográficas mais
influentes ate então produzidas. Começando por Jacob Gorender que, mesmo partindo do estudo da
memorialística, é criticado por Fico por estipular uma versão verdadeira, tendo
como objeto de analise depoimentos e relatos dos testemunhos da luta armada.
Voltando à descrição
das primeiras leituras sobre o assunto, Fico aponta para uma dicotomia entre os
“linhas duras” versus “moderados” ou “Castelistas”. Nesse contexto mostra que
existe uma tentativa acadêmica de criação de uma tipologia dos grupos de
militares. Tentativa que para Carlos Fico é considerada como algo difícil,
visto a diversidade de correntes políticas dentro do exercito, e que esse
critério de divisão entre duros e moderados deve ser abandonado visto que
outros fatores são muito mais importantes para a criação desta tipologia como a
formação militar e laços de lealdade e o
posicionamento em relação à repressão violenta.
No texto, ao explicar o processo de tomada de
poder dos militares em 1964, Fico destaca o sistema implantado em 1969, o Codi-DOi, onde foram
juntados os órgãos de força do país como o poder militar, civil, naval e até
mesmo bombeiros, sendo responsáveis pelos principais episódios de violência e
tortura no país. Hoje, a nova linha historiográfica, confirma que a tortura e o
extermínio foram oficializados como praticas autorizada de repressão pelos
oficiais-generais e até mesmo pelos generais presidentes.
A nova fase da
historiográfica sobre o período militar se afasta das leituras tradicionais de
cunho marxistas, se encaixando no âmbito, do que o autor chama, de ‘nova história’. Essa nova
linha se preocupa em valorizar o individuo e sua subjetividade, sua ‘mentalidade’
e sua ‘experiência de vida’ – essa vertente acaba se contrapondo à escola dos
annales fundada nos anos 1950 e 1960. Os historiadores da corrente da Nova
História fogem da escrita estruturalista da historia, se interessando por
estratégias cognitivas, onde a subjetividade do individuo é muito valorizada. Segundo Carlos Fico,
“o conjunto dos
pilares básicos da repressão (espionagem, policia política, censura da
imprensa, censura de diversões publicas, propaganda política e julgamento
sumario de supostos corruptos) permite compreender que, a partir de 1964,
gestou-se um projeto repressivo global, fundamentado na perspectiva da “utopia
autoritária”, segundo a qual seria possível eliminar o comunismo, a
‘subversão’, a corrupção etc. que impediram a caminhada do Brasil rumo ao seu
destino de ‘país do futuro”.
Nesse período de
‘vitória’ dos linhas duras, dois tipos de censuras foram fortemente vigentes no
período: A censura da imprensa e a censura das diversões publicas. Ambas
apresentam diferenças e conflitos entre si. Tais problemas surgiram pela
infiltração da dimensão política na censura de costumes. Um bom exemplo dado
por Fico foi o embate da AerP
(Acessoria Especial de Relações Píblicas) com os militares linha dura, que viam
a acessória como órgão desimportante e seus conteúdos eram tratados como
supérfluos. Para a LINHA DURA a imagem que deveria ser transmitida à população
não era de uma exaltação otimista de um país em crescimento, mas sim uma imagem
mais radical, explorando slogans como “Brasil AME-O OU DEIXE-O”. Segundo Carlos
Fico, essa linha de militares pretendeu se afirmar pela força de uma guerra
psicológica e não pelas propostas de propagandas educativas da AERP.
Mudando um pouco o rumo da discussão, Fico
destaca um ponto interessante nas produções historiográficas: a abordagem da
historia do Brasil de 1964 a 1985, normalmente se restringem à historia da
ditadura militar. Outros temas também compõe nossa historia, como os conflitos
entre as mudanças comportamentais da sociedade, como o movimento hippie, a
liberalização das praticas sexuais e as manifestações artísticas e culturais das ‘van-guardas’.
CAUSAS DO GOLPE
SÍNTESE:
“Nada obstante,
o estudo da memória militar chama a atenção para aspectos complexos do processo
histórico que culminou o golpe, dentre quais revela o caráter aparentemente
disperso da conspiração. De fato, para Dreifuss, o golpe resultou de uma
articulação conspiratória centralizada no complexo Ipes/Ibad, como já foi
visto. Porém, segundo Ary Soares, o que houve foi um caos conspiratório, pois a
coordenação entre os grupos em diferentes pontos do país era pequena e, algumas
vezes, na mesma cidade, grupos militares diferentes conspiravam sem maior
articulação. A própria iniciativa de Mourão sublinha essa falta de uma
coordenação centralizada, ao contrario da leitura de Dreifuss”.
Neste ponto, Carlos
Fico se debruça a explorar realmente a bibliografia por ele trabalhada,
tentando mostrar as tres correntes de pensamento que giram em torno das causas
do golpe de 1964. São elas:
- tentativa de
teorização da ciência Política,
- as análises
marxistas,
- valorização do papel
dos militares.
Segundo Alfred Stepan,
a principio os militares eram tidos como despreparados, incapazes de assumir o
poder político; mas, a grande ‘ameaça comunista’ causava o medo de que Goulart
pudesse dar um golpe de esquerda aliado ao comunismo, devia às reformas de base
por ele propostas. Para Carlos Fico, esta analise de Stepan apresenta muitas
insuficiências históricas, visto que antes de 1964 já houve interferências do
poder militar no âmbito político. Outra critica levanta por fico ao trabalho de
Stepan é que ele não se dá conta da heterogeneidade política dos militares
embora tenha feito distinção entre moderados e conservadores. Como ponto
positivo da obra de Stepan, Fico aponta para a necessidade que ele demonstra de
se estudar os militares, considerando suas interações com a sociedade e suas
características especificas de grupo especializado.
Neste contexto, cita Wanderley Guilherme dos
Santos: parte de um modelo teórico intitulado “competição política e calculo do
conflito”. Sendo assim, Santos considera a crise de 1964 como uma crise de
paralisia decisória e o golpe teria sido fundamentalmente o resultado do
emperramento do sistema político do que uma reação às medidas governamentais. Santo
não propõe uma explicação para o golpe em si, mas busca esclarecer os processos
de ‘crescente paralisia política’
seguida de alguma forma de violência. Segundo este autor, a imobilidade no
governo de João Goulart favoreceu muito ao golpe. A grande rotatividade
ministerial ocorrida no governo de Jango foram maiores desde 1946. Carlos Fico
critica Santos no que diz respeito a sua reflexão sobre “o paradigma tradicional de analise”, pois não se define quanto ao
seu objeto final de sua analise.
“A critica
inicial de Santos ao “paradigma tradicional de analise” é confusa, pois não se
define quanto ao objeto final de suas considerações: seriam insuficientes as
teses (marxistas) que fazem prevalecer as estruturas econômicas e sociais em
detrimento dos sistemas políticos ou paradigma criticado seria apenas aquele
que se refere à leitura do ‘populismo’ como gerador do confronto entre
executivos progressistas e legislativos controlados pela oligarquia rural?”[2]
Para Carlos Fico, a grande contribuição de
Santos para a historiografia foi a abordagem das questões parlamentares, dos
congressos e dos partidos políticos. Algo que até então era desprezado pela
maioria dos analistas do regime militar.
Outro ponto de vista seria o de Argelina
Figueiredo, que em 1987 escreve sua tese de doutorado avaliando a ênfase que
Santos dá aos aspectos político-institucionais que subestimam o caráter
socioeconômico dos problemas vigentes no começo dos anos 60 – as reformas
estruturais. Segundo Fico “A autora
atribui grande importância à recusa das teses de algum modo deterministas, isto
é, as que afirmavam a inevitabilidade do golpe a partir da consideração de
algumas condições suficientes, sejam os fatores econômicos, sejam os políticos
e institucionais, tal como estabelecido pela leitura de Santos.”[3]
Argelina Figueiredo
também se contrapõe à visão determinista, de centralidade do papel da burguesia
na conspiração, assim como analisado por Dreifuss. O trabalho da autora chama a
atenção para alguns episódios obscurecidos e que foram pouco abordados na
bibliografia sobre o tema.
A ciência política recebe influencia
dos EUA; ao enfatizar que as leituras marxistas se contrapunham às variáveis
politicos-institucionais e as variáveis políticas – visto que a visão marxista
determina a condição econômico-estruturais com o condicionamento de classe. Um
desses autores que partem uma analise marxista é João Quartini de Moraes, que
diz que o golpe de 1964 teria sido um golpe reacionário de direita do qual os
militares constituíam o instrumento decisivo. Porem a visão marxista mais
conhecida sobre o golpe parte de Jacob Gorender. Carlos Fico atribui a Gorender
a consolidação de duas das principais linhas de pesquisa sobre o golpe de 1964.
O papel determinante do estagio do capitalismo brasileiro e o caráter
preventivo da ação, tendo em vista as reais ameaças revolucionarias provindas
da esquerda.
Alem disso, Fico faz uma comparação
entre as teses de Dreifuss e Gorender:
Dreifruss acredita que
o domínio econômico do capital multinacional na economia brasileira não
encontrava uma correspondente liderança política.
Segundo Fico, “se vê aí uma
discordância significativa com a analise de Gorender,para qual o vetor da luta
política não estava na conquista da hegemonia pela fração multinacional-
associada à burguesia, mas na substituição do controle de tipo “populista” das
classes populares por outro decididamente coercitivo.
Outro ponto trabalhado por Dreifuss
foi a descrição das atividades das organizações empresariais do Ipes –
Instituto de pesquisa e ciências sociais e o Ibad – Instituto Brasileiro de Ação democrática. O Ipes foi um órgão
fundando em 29 de abril de 1961, resultando da fusão de grupos de empresários
organizados no RJ e SP, mas que rapidamente ganhou adesão das classes
produtoras dos outros estados. Encarregava-se de uma campanha doutrinaria
contra o governo de Goulart através da distribuição de livro e filmes
doutrinários. A má imagem de Jango e de
seu projeto de reformas de base, criado pelo Ipes, era usada como justificativa
para luta contra os comunistas no Brasil e era cabível á eles a interrupção do
movimento esquerdista no país.
Segundo Fico e Reis Filho, a maior fragilidade
de Dreifuss foi pensar que a classe media teria aceitado passivamente as
influencias ideológicas do Ipes/Ibad. Por trás dessa aceitação havia o medo que
a classe sentia, pois percebiam que um processo radical de distribuição de
renda. Fico diz que somente a ação do Ipes/Ibad não foram suficientes para se
explicar a troca de regime, a construção de uma rede de apoio com as forças
armadas foi outro fator muito importante.
Outros teóricos como Ary Soares, que
partem da memorialística – analisa depoimento dos próprios militares, defendem
que o golpe foi estritamente militar, um golpe de cunho especificadamente
político – assim como defende Carlos Fico – Não foi dado pela burguesia ou pela
classe media, independente do que se prestaram em apoio à ditadura. A tese de
Soares é de que o golpe foi preponderantemente uma conspiração dos militares
com apoio dos grupos econômicos brasileiros.
Outra tese que contrapõe as idéias de Dreifuss – que diz que o golpe foi
uma articulação dos grandes empresários em torno do Ipes na tentativa de defesa
dos interesses do capital estrangeiro. Soares se preocupa mais em destacar as
motivações dos militares para o golpe, como a o caos administrativo e a
desordem política, o perigo comunista e da esquerda em geral e os ataques à
hierarquia e da disciplina militar. Por fim, Fico conclui:
“As
transformações estruturais do capitalismo brasileiro, a fragilidade
institucional do país, as incertezas que marcaram o governo de João Goulart, a
propaganda política do Ipes, a índole golpista dos conspiradores, especialmente
dos militares – todas são causas, macroestruturais ou micrologicas, que devem
ser levadas em conta, não havendo nenhuma fragilidade teórica em considerarmos
como razoes do golpe tanto os condicionantes estruturais quanto os processos
conjunturais ou os episódios imediatos. Que tal uma conjunção de fatores
adversos – esperamos todos – jamais se repita.”[4]